Por volta das 2 horas da manhã, minha filha de 5 anos de idade acordou a casa inteira com um grito. Na verdade, "casa inteira" é modo de dizer, já que além de mim e ela, só temos o nosso cãozinho "Teteco". Particularmente nunca gostei do nome dele, mas como foi minha filha que escolheu, eu finjo que gosto. Tenho pra mim que nem o cachorro gosta do nome, porque por vez ou outra quando o chamo pelo nome, ele dá uma leve rosnada baixinha, como se estivesse resmungando. É um bom cachorro, mas muito mimado.
Com o grito, acordei assustado e com o coração acelerado. E mesmo sonolento, de imediato identifiquei que era o grito da pequena Gabriela. No salto que dei da cama, quase que no mesmo instante eu já estava na porta do quarto dela. Mesmo assim, cheguei lá depois do Teteco, que já arranhava a porta para ver o que estava acontecendo. De certo ele estava dormindo à porta do quarto. Ele tinha esse hábito de nunca dormir na caminha que comprei por quase quinhentas pratas. Talvez fizesse isso para me desafiar, embora alguns me dissessem que aquele era o modo dele de proteger minha filha.
Quando abri a porta, a Gabi em prantos gritou de imediato:
— Papai! Levaram o Teteco...
O rosto dela mudou rapidamente de pânico para confuso ao ver o Teteco se aproximar da cama.
— Eu... Eu... Eu vi alguém num carro levando ele... — ela tentava explicar aquilo que ela não fazia ideia de como explicar. — Eu juro que vi!
Eu me sentei ao lado dela na cama, e tentei explicar que sonhos não são de verdade. Que às vezes eles até podem parecer bem reais, mas eles só acontecem na nossa cabeça.
Ela se esforçava para entender enquanto tentava se acalmar olhando para o Teteco. Realmente não tinha um nome melhor para essa fábrica de pelos? Mas algo no rosto dela demonstrava que havia algo faltando na explicação.
Ou talvez não. Ela de repente parecia entender o que aquilo significava, mas voltou a ficar assustada enquanto perguntava:
— Então o Teteco que vive na minha cabeça foi levado?
De início, nem entendi a pergunta direito. O Teteco da cabeça? Naquela hora lembrei de Tico e Teco, e ri. A Gabi pareceu ofendida por eu ter rido naquele momento.
Mudei a expressão rapidamente e tentei explicar novamente. Só não sabia exatamente como eu iria fazer isso. Mas aí lembrei da minha infância e das coisas bobas que eu costumava acreditar.
— Olha, filha, as coisas que acontecem na nossa cabeça quando estamos dormindo são como um filme, só que não é a gente que escolhe qual filme que vamos assistir nos sonhos. Mas... — Enquanto falava, tentava estudar a expressão dela naquela meia-luz do abajur que iluminava tenuamente o rostinho descabelado e umedecido pelas lágrimas recentes. — ...dentro dos sonhos, nós ganhamos super poderes e podemos fazer tudo que a gente quiser.
— Igual a Bloom?
Quem? Mas o quê? O que aconteceu com a Capitã Marvel e a Mulher Maravilha que eu fiz você assistir? Eu falhei como pai. Imagino que seja uma heroína também, mas certamente não é da minha época. Eu sorri amarelo e apenas confirmei:
— Sim, filha, igual a Glun.
— É Bloom, pai. Bloom Peters. É a princesa do planeta Domino, aquela que tem o poder da Chama do Dragão.
Ela buscava em mim alguma confirmação de que eu finalmente tinha me lembrado. Mas eu não fazia ideia sobre qual filme ela estava falando. Por sorte, ela prosseguiu sem parecer se importar sobre algo que, a princípio, parecia importante pra ela:
— Você acha que eu posso então salvar o Teteco da minha cabeça?
— Acho que você não precisa se preocupar com ele, porque aí dentro da sua cabecinha o Teteco é um supercão, e nada jamais será capaz de fazer mal algum a ele. Na verdade, ele não foi levado naquele carro. Ele entrou no carro para combater aquelas pessoas do mal, para que eles não fizessem mal a mais ninguém. Mas pode acreditar que quando você voltar a dormir e chamar por ele, o Teteco vai aparecer.
— Tem certeza?
— Claro, filha. E se precisar de ajuda para enfrentar o mal nos seus sonhos, você sempre pode chamar a princesa do planeta do dragão, o Teteco ou então o seu super pai.
— O nome do planeta é Domi... — ela olhou pra mim com um pouco de pena por eu não aprender nem o nome do planeta. — deixa pra lá. Obrigada, pai.
— Pode contar comigo, filha. Boa noite. — dei um beijo nela enquanto me levantava.
— Boa noite, pai.
Chamei o Teteco e já ia saindo do quarto para levá-lo inutilmente de volta para a caminha pet que ele detesta (e que sempre se levanta pra deitar em outro local depois que saio), mas a Gabriela me interrompeu:
— Ô, pai... O supercão pode dormir no meu quarto hoje?
Eu tinha algumas regras sobre essa máquina de soltar pelo ficar no quarto na hora de dormir, mas não pude negar desta vez.
— Claro, filha...
— Eba! Te amo, pai!
Eu sorri, e voltei para o meu quarto. E naquela noite eu fiquei pensando: como tudo pode ser tão simples na vida de uma criança? Basta uma historinha, e todo medo se vai. Mas quando é com a gente, tudo é tão complicado. Sair do emprego que a gente detesta, iniciar um novo relacionamento com alguém, ou mesmo voltar a falar com aquele amigo que permitimos que o tempo nos distanciasse...
Sei lá, talvez eu tente pensar igual a uma criança no sonho de hoje. Quem sabe eu, pelo menos em meus sonhos, possa mudar de emprego e sair com os velhos amigos para nos divertirmos um pouco de novo. Quem sabe assim eu até encontre alguém interessante, nem que seja que eu me encontre com ela novamente só em meus sonhos. Seria interessante. Mas seria eu ainda capaz de acreditar nos meus super poderes?